Essa
história eu consegui de uma senhora que trabalhou durante muitos anos num
hospital aqui das redondezas, no sul de Minas Gerais. Ela já se aposentou há
muito tempo e hoje, além de seus afazeres domésticos, reserva uma boa parte do
seu tempo para cuidar de uma capela, a qual zela com o maior carinho. Muito
católica e acima de tudo idônea, ela jamais iria distorcer ou inventar algo
sobre o ocorrido...
Nos idos
de 1943, Sandrinha ainda era novata naquela unidade de saúde. Ajudava e
obedecia fielmente a todas as ordens das irmãs enfermeiras, um grupo de
religiosas que administrava aquele hospital. Todos ali trabalhavam muito o dia
todo e quando ia chegando o período noturno aquelas irmãs enfermeiras já
estavam exaustas. Elas residiam no hospital e, ao cair da tarde, já não viam a
hora de ir para os seus aposentos, descansar. À noite, deixavam a guarda do
hospital a cargo de uma moça, responsável por registrar as entradas dos pacientes
que, eventualmente, surgiam durante a madrugada. Naquele tempo era assim mesmo,
o paciente era acolhido e ficava no seu leito, aguardando o médico chegar. Os
primeiros cuidados eram dispensados por algumas irmãs, que se revezavam no
período noturno.
Justamente
naquela noite, a enfermeira-chefe pediu para chamarem Sandrinha em sua casa,
pois a outra recepcionista havia faltado por motivo até hoje desconhecido.
Sandrinha, com apenas um mês de experiência e precisando do novo emprego,
jamais poderia deixar de atender a esse pedido. Então, seguiu imediatamente
para o hospital.
Lá chegando,
de imediato assumiu seu posto, pois todos já haviam ido para seus aposentos, havia
apenas algumas enfermeiras de plantão e, mesmo elas, estavam descansando em
alguns quartos, após aquele longo dia movimentado.
Era
uma sexta-feira da quaresma e o silêncio imperava naquele hospital católico.
Chamar as irmãs era terminantemente proibido, exceto num caso de extrema
urgência, como algum acidente com feridos graves. Caso contrário, nem pensar.
Corria-se o risco de ser demitido por infringir as “regras internas”.
Sandrinha
estava sozinha na recepção e já havia fechado todas as portas. Durante aquele
início de madrugada ela resolve ler seu livro de romance que havia deixado em uma
de suas gavetas, pois não havia nada para fazer. Ora cochilava um pouco, ora
lia seu livro e ouvia, raramente, alguns latidos de cães lá fora, naquela rua
deserta.
De
repente, os latidos dos cães se intensificaram por causa do barulho de alguns
cavalos puxando uma carruagem. Sandrinha foi acordada de seu cochilo com
algumas batidas na porta. Ela havia cochilado por alguns minutos e estava,
ainda, meio confusa. Levantou-se imediatamente de sua cadeira, pegou as chaves
e foi abrir a porta principal. Levou um enorme susto. A cena que presenciava
era assustadora: Sete homens, todos vestidos de preto estavam bem ali na frente
dela, dizendo que foram pegar o corpo.
– Mas
corpo de quem? – pensou ela. Ninguém havia avisado nada, não tinha nenhuma
anotação sobre aquilo e todos estavam dormindo naquele momento. Mas, para não
demonstrar falta de comunicação e desorganização da instituição, ela usa sua
esperteza e fala:
–
Sim, podem entrar! Vocês já sabem onde ele está?
–
Sim, sabemos – responderam eles.
– Então
entrem, por favor, e sejam breves – disse ela.
Aqueles
sete homens bem trajados, carregando um caixão dourado, entraram rapidamente e
foram lá para o fundo, ao pequeno necrotério. Dez minutos depois saíram de lá e,
ao passarem por ela, fizeram um rápido agradecimento.
Sandrinha
apenas acenou com uma das mãos e fechou a porta logo em seguida. Ficou olhando
pela fresta a partida daquela carruagem, que carregava sete homens de preto e
um defunto desconhecido.
No
dia seguinte ela aguardou que alguém comentasse algo sobre aquilo, mas nada
aconteceu, ninguém se pronunciou. Perguntou para os demais funcionários se
algum paciente havia morrido há alguns dias, mas a resposta era sempre
negativa. Checou várias papeletas, documentos e nada encontrou sobre o óbito. Teve
medo de contar aquele fato a alguém, pois poderiam pensar que ela estava vendo
coisas e isso talvez a prejudicasse naquele novo emprego. Então, até hoje
manteve isso sob sigilo. Disse que contou a mim não sabe como, pois tem muita
vergonha de não ter comunicado o ocorrido aos seus superiores.
Contudo,
eu ainda fui além e perguntei a ela: – Dona Sandrinha, a senhora não viu mais
nada de estranho naqueles homens? Tente se lembrar!
–
Sim, André. Eu vi, sim, algo muito estranho... – ela fez uma pausa e continuou:
– Ao
passarem por mim, percebi que aqueles sete homens tinham cascos em vez de
sapatos e é por isso mesmo que eu rezo o terço todo santo dia, para nunca mais
vê-los em minha vida.
Eles,
com certeza, foram buscar sua encomenda, ou melhor, alguém que estava prometido
para ser levado para o inferno naquela sexta-feira da quaresma...
Olá Victtor,
ResponderExcluirLi sua história do príncipio ao fim, e aqueles homens vestidos de preto e cascos em vez de sapatos, não seriam enviados de Satanás, naquela sexta-feira?
Afinal, ninguém havera falecido por aqueles dias.
Será, que o caixão, que transportavam, teria, lá dentro corpo de defunto?
Beijos de luz.
Luz,
ResponderExcluirAcho que a Dona Sandrinha deve ter visualizado e intermediado uma dimensão espiritual, porque no mundo físico nada havia acontecido. Mas é isso mesmo, os enviados vieram buscar a sua encomenda, uma alma "importante" talvez, que deveria ser resgatada de lá e conduzida para o seu destino...
Bjsss
ótimo todos os contos que encontro por aqui *-*
ResponderExcluirbeijos
boa sexta
Aym - Macchiato - http://thislovebug.net/macchiato
Valeu Aymée ! Obrigado mais uma vez pela visita e um ótimo fim de semana pra você também !
ResponderExcluirBjss
Gostei do conto André. Sempre com lindos presentes para os leitores do blog! Parabéns.
ResponderExcluirGrato pelo comentário Marli !
ResponderExcluirEstava mesmo com saudades...
Bjsss
Mais uma história bem narrada. E a parte dos cascos ao invés de sapatos causa um impacto arrepiante. Bom conto, André.
ResponderExcluirAHh, já recebi seu livro, Os Sobreviventes da Santa Inquisição e estou lendo com muito gosto. A capa é linda. A formatação bem cuidada. O tamanho das letras é ótimo pra se ler. Os espaços entre parágrafos, na medida certa. Um livro caprichado. E um enredo que prende a tenção. Só tenho elogios a fazer. Parabéns pelo trabalho.
*bom final de semana, André*
Oi André,
ResponderExcluirEu não queria estar no lugar da dona Sandrinha já pensou homens com cascos ao invés de sapatos? eu teria um surto. Muito boa a historia como sempre alias. Parabéns.
Bjus
Claudia
Rosa,
ResponderExcluirFico muito feliz que está gostando do livro ! Vale lembrar que é uma edição independente do Autor, mas muito em breve será publicada via Editora... Bjs
Cláudia Valery,
Quanto a essa história acima, os cascos ao invés de sapatos deixaram um recado bem claro pra dona Sandrinha de quem eles eram...(rs.rs.rs)
Bjs
Adoro o modo como escreves os teus contos, misturando fantasia e realidade. Sempre vai ficar a dúvida se a Sandrinha existiu ou não...rsrsrs
ResponderExcluirAmei!
Beijos!
Rosane
Rosane, pode ter certeza: ela ainda existe, está viva e claro, tem um outro nome...
ResponderExcluirObrigado pela visita e comentário !
Bjs